Leandro Gorzoni fala sobre ‘Jogada de Sucesso’, obra que aplica o poker nos negócios: ‘Veja problemas como alavancas’

As habilidades que o poker desenvolvem em uma pessoa podem ser vistas, com nitidez, na carreira de Leandro Gorzoni. Fundador da agência de marketing Yooper, o empresário também fez seu nome nas mesas de cartas, com várias participações em Main Events de Las Vegas e até lucrando milhares de reais em meio a all-ins e muito jogo de cintura.

Em setembro deste ano, Gorzoni conseguiu unificar suas “duas personas” em texto com o lançamento de “Jogada de Sucesso: Como construí uma empresa milionário com conceitos e estratégias que aprendi no poker”, obra da editora Poligrafia que vem chamando a atenção no mercado literário. Formado em Administração de Empresas, ele criou sua primeira empresa aos 17 anos e começou no poker aos 19.

“Sempre foi os dois lados: eu focava muito nas minhas empresas ou eu estava viajando para jogar o Main Event. Dificilmente eu misturava esses assuntos, eu não externalizava”, explica Gorzoni, em entrevista ao BetBox tv. “Das pessoas que eu jogava, eu não trazia networking do poker para dentro do mundo dos negócios e nem vice-versa. Isso começou a me incomodar muito.”

Por isso, “Jogada de Sucesso” é um verdadeiro Royal Flush. Ao longo de suas 168 páginas, Gorzoni exemplifica, compara as movimentações de sua vida empresarial com o poker e aprofunda cartas contrapondo com sua rotina. Em um dos capítulos, por exemplo, ele traz lições para a vida – ou seja, mais do que um bate-papo sobre negócios, a obra consegue ser uma sessão de terapia em uma mesa de jogos.

Mais do que vendas, a preocupação de Gorzoni foi reunir o melhor de seus dois mundos. “Apesar de eu saber que as vendas estão boas, de que o público tá gostando muito, eu fico muito mais feliz com esse reconhecimento e como consegui entregar uma obra boa, um livro do qual eu tenho orgulho”, reforça ele.

Na entrevista a seguir, o empresário fala mais sobre o processo de construção do livro, reflete sobre as dicas apresentadas e alimenta sobre o quanto o poker pode ser transformador na vida de qualquer pessoa:

BETBOX TV: “Jogada de Sucesso” é uma conversa direta com o leitor, mas consegue trazer várias dicas. Como foi a organização dos capítulos?

LEANDRO GORZONI: A primeira coisa que eu fiz foi criar quase que um mapa mental de tudo que eu gostaria que falasse. Tinham algumas experiências que eu passei na vida que eu fazia questão que tivesse no livro, mas o grande ponto é que era um conteúdo não muito longo, então daria um livro de poucas páginas. Eu sempre tive um pouco dessa preocupação de fazer um livro que, ao mesmo tempo fosse relevante, que tivesse tudo que eu queria ali dentro, mas também não fosse um livro muito pequeno de 50, 40 páginas. Eu até brincava muito ali: eu falava que o meu livro tinha que ser maior que a redação do Enem (risos), porque de fato eu não queria que fosse algo tão pequeno assim, tão raso. Então a primeira coisa que eu fiz foi criar um mapa mental, onde eu listei todos capítulos e alinhei tudo o que eu que eu queria falar e depois ele se tornou quase que um organismo vivo: alguns capítulos foram puxando outros e, no final, foi aquela construção que a gente acabou lançando. Confesso que no final do livro, poucas semanas antes da gente imprimir ele na gráfica, eu tava relendo – eu li mais de 10 vezes – e ali na oitava, nona vez é que eu ainda decidi mudar algumas coisas no livro e mudanças como essa foi o que me fizeram até não criar novos capítulos. Eu adoraria ter criado novos capítulos depois, mas acabou que não dava mais pra gente criar novos. Então eu acabei inserindo ali na conclusão, mas isso só pra mostrar como como a estrutura dos capítulos se tornou algo vivo mesmo assim. Não tenho dúvida de que se eu reler o livro hoje, eu vou conseguir adicionar novos capítulos, talvez tirar, mudar alguma coisa ali dentro, então de fato se tornou um organismo vivo para mim.

Leandro Gorzoni no lançamento de “Jogada de Sucesso” (Imagem: Arquivo pessoal)

BETBOX TV: O que foi mais difícil nesse processo todo?

GORZONI: Foi lidar com a minha ansiedade e com a minha vontade de fazer algo bom, de entregar algo que eu sinto orgulho. Ao mesmo tempo que eu estava muito confortável com o que estava fazendo, ficava muito com essa inquietação: um livro por si só não é algo mais seu, ele é do mundo e nem todo mundo joga poker ou nem todo mundo empreende. Então, eu fiquei muito com essa inquietação de fazer algo que eu me orgulhasse, de fazer algo que tivesse “certo” no final e que eu olhasse para o final e visse: não tem nenhum erro, não tem nenhuma blasfêmia lá dentro, não tem nada que esteja ofendendo ou falando mal, é simplesmente a minha melhor versão escrita e debatida e que eu tivesse orgulho disso. Acho que isso foi o mais difícil: controlar e entender no final que eu tinha chegado nesse momento final assim, porque sempre que eu reler, vou estar mudando ele, então aí se torna algo mais insalubre. O mais difícil foi isso: entender que ele já estava dentro do que eu queria e que eu podia relaxar e aproveitar feedbacks, retornos e aproveitar, enfim, toda a repercussão que ele tá dando.


BETBOX TV: Em um dos capítulos, você apresenta 4 lições para a vida: clareza sobre percentuais, composição da jogada, desconfiar da mente e preparação é tudo. Qual considera a mais importante delas?

GORZONI: De fato, as quatro são muito importantes, mas se eu tivesse que eleger uma, colocaria desconfiar da mente. O sentimento de autossabotagem é extremamente enraizado e implícito na nossa sociedade hoje. Vou te dar um exemplo do que eu vejo todos os dias: existe um padrão que quando você começa a dirigir, existe uma lei que quando a pessoa bate atrás, ela está implicitamente errada. Se há um choque de dois carros, a pessoa que bate atrás está errada. Eu sempre ouvi isso, questionei e eu falei: ‘E se a pessoa da frente der ré, a pessoa de trás continua sendo errada?’. Olha aqui absurdo os parâmetros que a gente tem de sociedade para entender que nós somos enraizados através de leis e de uma cultura que, se a gente não desconfia do que a gente ouve ou do que nossa mente assimila, a gente vai viver uma vida precária. Uma vida dentro de uma grande ratoeira onde a gente é ensinado a não pensar, a não provocar, a não questionar… então o poker ele traz muito isso. Ele traz muito a questão de você ter ali um board de cinco cartas, por exemplo. Se você conseguir o padrão e não questionar aquilo o que está acontecendo, os jogadores, suas ações e os seus pensamentos, você vai acabar sendo igual a todo mundo e acho que é um pouco disso que o livro traz. Se eu tivesse que eleger algum desses quatro, com certeza, seria desconfiado a sua mente e provocar nesse sentido. É olhar não importa o que seja – um problema, uma coisa boa, um desafio, uma oportunidade – sempre tem um outro lado da moeda e acho que cabe a gente tentar forçar um pouco isso para que a gente olhe.


BETBOX TV: Sofrer rápido e se levantar é uma das dicas dadas na obra. Você narra muito sobre essa agilidade necessária, mas o que serviu de muleta nesses momentos para você? Há algo que o Gorzoni faz quando tem um resultado negativo ou uma queda?

GORZONI: Isso eu trago até no próprio livro que é o destrinchamento das informações. Não tem problema nenhum assim ter resultado negativo ou ter uma queda. Muito pelo contrário. Acho que é extremamente normal e e complementa até um pouco com a última resposta: tudo tem um outro lado ou uma oportunidade independente se é um mega problema, um mega desafio. Um exemplo: no ano passado, tive princípio de burnout, com uma crise de estresse que desencadeou dores psicossomáticas e eu usei isso como uma oportunidade para começar a fazer exercício, porque uma das recomendações do meu psiquiatra era fazer exercício. Usei isso como alavanca, então a grande questão são duas – o que eu uso de “muleta” para que não caia ou para que eu me levante rápido é: destrinche o máximo esses resultados, de como você chegou lá e vai na na linha do número. Cheguei aqui porque eu tomei uma decisão errada, ou porque fiquei trabalhando até tarde, ou não me dediquei. É super importante ser sincero nessa hora e não omitir nada.

O outro ponto é você, de fato. Trazer isso para um entendimento de que não importa o problema, tem uma outra visão, tem uma oportunidade no momento disso. É ver os problemas como alavanca e como impulsionadores para que você consiga sair melhor, diferente e com mais consciência do que te levou para lá. São essas duas visões de tentar ver problemas e desafios pelos dois lados, que é se provocar e desconfiar da sua própria mente nesse caso, e destrinchar o máximo os números e situações que te fizeram chegar até lá.

Leandro Gorzoni no lançamento de “Jogada de Sucesso” (Imagem: Arquivo pessoal)


BETBOX TV: No mundo corporativo, fala-se muito sobre sempre saber expor seu trabalho. Por que isso ganhou ainda mais força? Acredita que a competitividade exacerbada? Como vê essa disputa corporativa hoje em dia?

GORZONI: Eu sempre tive aquela frase que eu falo no livro e sempre falei isso para os meus funcionários: é muito melhor, em devidas proporções, você não fazer nada e o cliente achar que você faz tudo, do que você fazer tudo e o cliente achar que você não faz nada. Não existe nada pior do que você fazer tudo e você ter um cliente que acha que você não faz nada. Isso é é um duplo erro: o de você ter feito tudo e o dele achar isso, de você deixar com que ele pense isso. O poker entra como uma luva nesse entendimento: controle de percepção, de você fazer uma jogada para insinuar para o seu cliente, pro seu adversário, de que você tem uma mão específica; é você fazer um tamanho de aposta que vai insinuar com que você tenha determinada mão ou jogada. O poker te ensina muito a vocês se olhar por essa questão de controlar percepção mesmo. Sobre o mundo corporativo, em especial a competitividade, eu não tenho dúvida que ela é extremamente exacerbada, ainda mais em um mundo capitalista como o nosso, mas a grande questão é que a competição, independente se é um mar vermelho ou uma área extremamente azul. Não é sobre competitividade e, sim, sobre o que você gera, o que você faz em cima do que as pessoas pensam sobre sobre você ou sobre o seu serviços. É muito mais do que um ‘estou entrando dentro de um oceano vermelho’. Vamos pensar num exemplo: vou abrir um restaurante de massa em São Paulo. Deve ter, seguramente, mais de 5.000 restaurantes aqui em São Paulo. Super oceano vermelho, tá? Não é tanto sobre você estar em um mercado competitivo ou não. É sobre o que o seu cliente vai pensar quando ele comer a primeira garfada. É sobre você tentar controlar um pouco mais isso e como faz? Através de uma experiência, de percepções de marketing, falando para ele algumas coisas. Nesse nosso exemplo, vamos pensar que você usa trufa negra no seu capeletti, tipo super caro, super chique e extremamente saboroso. É uma ótima recomendação você falar isso pro cliente, criando um processo em que o garçom é treinado, para na hora que o cara for pedir ou antes disso é falar um pouquinho sobre esse prato. Não é um prato qualquer. É muito melhor você fazer isso do que você simplesmente colocar ali e achar que o cara perceba isso porque ele tem um paladar bom. Não vai acontecer isso. Você tem que falar para ele isso, então não é tanto sobre a concorrência e sim sobre o que você faz dentro daquele controle que você domina. Se o cliente entrou na sua loja, a partir de agora você pode falar com ele ou não, mandar um prato errado… pode fazer milhares de coisas. Tudo depende de como que você vai lidar e isso não é sobre um mercado competitivo ou não. É sobre as suas ações e o que você quer que ele saiba. O mercado é exatamente assim na questão corporativa. É como que, no final, passa a ser a ser muito mais sobre o que você fala, gera e mostra do que simplesmente competição, de fato.


BETBOX TV: O poker te ensinou vários aspectos, como narrado no livro. Mas o que ele sempre será sinônimo para você? Diversão? Qual palavra define seu sentimento em relação a esse jogo?

LEANDRO GORZONI: Curiosamente, não é diversão a palavra, não é aprendizado. Apesar delas serem duas palavras extremamente emblemáticas do que o poker de fato ele me ensinou, mas a palavra que eu traria como sinônimo do poker para mim é risco. Ele me ensina diariamente cada vez que eu jogo a controlar, operar e saber trafegar dentro de riscos. Riscos de aposta, riscos de bain, riscos de sentar numa mesa, riscos de lidar comigo mesmo e até de abrir mão do meu tempo. Tudo é um risco. Tudo é um risco que você pode se arrepender no final de ‘putz, perdi meu domingo para jogar’ e o tempo hoje é o maior bem que uma pessoa tem, principalmente eu que já tô chegando nos 40, então o tempo se torna um recurso extremamente valioso. E jogar um torneio de poker é algo longo. Então, o risco financeiro, o de você entrar numa bain que você não tá confortável e de fato conseguir lidar com isso depois, é essa é a palavra que o poker significa para mim. Ele é gestão de risco, onde eu preciso aprender a lidar e que hoje é a base para você conseguir empreender, conseguir trabalhar…. para qualquer empreendedor, pessoa. Desde um analista até um empresário, tem que ter skills de gestão de risco. Em tudo você arrisca, desde quando você faz um PPT pra um cliente, corre o risco dele não gostar você e dele ficar puto, porque o número não tá bom. Tudo é risco e você gerenciar, saber como operar dentro desse risco, pra mim, é o que o poker representa.

Capa de “Jogada de Sucesso”


BETBOX TV: Para finalizar: se alguém começar a jogar poker hoje, o que você recomenda?

LEANDRO GORZONI: Se alguém começar a jogar poker hoje, eu recomendo que estude além das regras óbvias. A hierarquia das cartas – pardos, pares, trinca – vai te ensinar o jogo, a conseguir jogar e brincar com seus amigos. O ensinamento do poker tá nas regras, nos ensinamentos que não são de hierarquia, que não são as regras básicas do jogo. Os ensinamentos da vida do poker estão nas regras avançadas e ainda nas regras que ninguém fala, que é uma regra de lidar com a perda, é um sentimento.

O grande ponto do poker é que, quando você joga, você se conhece ao longo do jogo – na vitória, na derrota, no risco, num all-in que o seu coração dispara. O poker te dá mais conhecimento sobre você e sobre a sua mente de fato. Tudo isso são ensinamentos que vem depois das regras. Obviamente a primeira coisa é começar pelas regras básicas, que vão te ensinar a jogar. Até aí, como vida e princípio de jogo e de ensinamentos a filosofar, você não aprendeu nada.

Aí você tem outras duas grandes escaladas, que é o que eu recomendo. Avance para camadas de entendimento das regras avançadas, muito mais de estrutura comportamental, tipo de aposta que você faz para cada perfil, como você controla a percepção ou que tipo de movimento você tem que fazer para que a pessoa pense algo é específico. O que será que ela está pensando sobre o que você tem na mão e como que você usa isso a seu favor? Tudo isso vem depois que você já aprendeu hierarquia de cartas e que está confortável com o jogo. O terceiro e melhor ponto é esteja genuinamente aberto para se ouvir e entender como que o seu corpo e a sua mente respondem para cada movimento, cada ação. O maior benefício do poker, na minha opinião, é esse: estar genuinamente aberto para se ouvir e se conhecer melhor, senão é só um jogo. E aí jogar por jogar… vai jogar dama (risos), que você tem um risco muito menor. Mas se você tá genuinamente aberto, com vontade de se conhecer, de se divertir, de aprender com isso… o poker é um professor maravilhoso e tem muito pra te ensinar. Assim como qualquer escola e como qualquer faculdade, o professor tá lá e pode ser muito bom, mas depende do aluno. Então, é só isso: seja um bom aluno e esteja disposto a ouvir o que a mesa, as cartas e o que seu coração falam.

  • Reportagem de Júlio Boll
Compartilhe