Jogo Responsável e cuidados com saúde: como senadores questionam a PL dos cassinos e o que será feito

A sessão sobre a PL dos cassinos no Senado, nesta quinta-feira (8), gerou debates. Houve alguns representantes que questionaram a questão de saúde e sobre o quanto é necessária uma política de Jogo Responsável.

Para o senador Eduardo Girão (Novo-CE), a matéria é nociva para a sociedade por “devastar completamente” valores e princípios dos cidadãos. Ele chamou de falácia as expectativas de crescimento do turismo com a autorização da atividade de jogos e citou pesquisa feita nos Estados Unidos, pelo professor Earl Grinols, indicando que a cada U$ 1 tributado com o jogo, foram gastos pelo Estado U$ 3 com as consequências sociais geradas a partir da autorização da jogatina. 

Ele ainda citou pesquisa do Datafolha mostrando que os beneficiários do programa Bolsa Família já destinam cerca de R$ 100 para realizar apostas esportivas de cota única — as chamadas bets, já autorizadas e regulamentadas no Brasil. Para o senador, o projeto vai estimular ainda mais o vício em apostas, comprometendo a saúde mental e financeira dos brasileiros.  

“Vocês sabem o que é que acontece com o suicídio em relação a jogo de azar? Os índices são 12 vezes maiores nas pessoas que têm o vício da ludopatia. A ludopatia é o grande faturamento: cerca de 40% do faturamento dos cassinos são dos ludopatas. Como é que eles vão abrir mão disso? Não vão! Isso é para inglês ver. Isso é o faturamento. O que está aqui em jogo é dinheiro.”

A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e o pastor Silas Malafaia manifestaram a mesma preocupação. Eles ainda alertaram para o risco das facções criminosas e bicheiros usarem recurso gerado por meio de atividades ilegais e da criminalidade para “lavar dinheiro” na atividade regulamentada. A falta de estrutura para fiscalização e controle no Brasil também foi citada. 

“O que mais me traz para este debate é a questão da corrupção, da lavagem de dinheiro. Temos notas técnicas da PGR [Procuradoria-Geral da República] e da PF [Polícia Federal], de 2017, que apontavam essa preocupação. Acho que elas ainda têm validade e podemos voltar a perguntar a esses órgãos se eles mudaram a posição, se o Brasil melhorou os seus órgãos de controle. Essa preocupação ainda é muito atual”, destacou Damares. 

Regulamentação 

O psiquiatra e professor da Universidade de São Paulo (USP) Hermano Tavares, que estuda o tema há 25 anos, disse que apostar impacta o sistema nervoso central, causando dependência no apostador, da mesma forma que o uso de álcool, cocaína e maconha. Ele informou ainda que, no Brasil, 2,5% da população já sofre com dificuldades relacionadas a apostas ou sofreu em algum momento da vida e criticou que a legalização da atividade venha antes da regulamentação, como foi com as bets. 

“O jogo, a aposta on-line esportiva traz consigo a aposta on-line dos cassinos, o tigrinho, o cavalinho, tudo aquilo que vocês já estão escutando na imprensa. Muito bem, para isso é preciso que a gente tenha a disposição da regulação efetiva. O que acontece? Nós estamos botando a carroça na frente dos bois. Estamos legalizando e deixando para regulamentar depois.”

O secretário de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, Régis Dudena, defendeu que o texto assegure a possibilidade de uma regulamentação  responsável e técnica, baseada em dados e evidências e no tempo hábil para que a atividade não venha a se desenvolver sem regras efetivas, como ocorreu inicialmente com a atividade de aposta de cota fixa. 

“Temos questões econômicas gerais que devem ser levadas em consideração, como cuidados à captação da poupança popular. Aqui ainda há cuidados específicos relacionados ao setor e sobretudo em sua interação com outros setores econômicos, principalmente o Sistema Financeiro Nacional. Menciono, por exemplo, o cuidado para combate à lavagem de dinheiro, e há sobretudo questões sociais que devem ser endereçadas com cuidados aos apostadores e ao ambiente onde esse jogo irá se dar.”

Outros participantes — como o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), Manoel Cardoso Linhares, e o gerente de Relações Governamentais da Associação Brasileira de Promotores de Eventos (Abrape), Lucas Gabriel Barbosa — elogiaram os ajustes já feitos no relatório. Um deles é a alteração proposta pelo senador Irajá que amplia as possibilidades de instalação de cassinos e bingos nas atuais estruturas hoteleiras do país, desde que adaptados para este fim. 

No texto original, os cassinos deveriam funcionar em complexos integrados de lazer ou embarcações especificamente construídos para esse fim, o que impediria o setor hoteleiro brasileiro de poder participar das futuras concessões dos resorts integrados que serão implantados no Brasil, caso o projeto se torne lei.

“Esse é o inciso que traz como condicionante, para o estabelecimento de cassinos no nosso país, que esses estabelecimentos contem com infraestrutura para o recebimento de eventos nacionais e internacionais, sociais, artísticos e culturais de grande porte para que possam receber a sua outorga. Essa garantia se repete no texto ao falar das embarcações, e aí para eventos de pequeno porte. Mas eu gostaria de dizer que é essa garantia que vai trazer todos os benefícios para a cadeia de eventos; é essa garantia que traz o posicionamento favorável e o entusiasmo do setor de eventos brasileiro com a aprovação do PL 2.234”, acrescentou Lucas Barbosa.  

Depoimento 

O empresário André Rolim, que sofreu com o vício em jogos de azar por 20 anos, deu seu depoimento pessoal na audiência. Ele relatou ter perdido todo o seu patrimônio e, por várias vezes, ter pensado em colocar fim à vida. Na visão do empresário, o Brasil já enfrenta uma “pandemia silenciosa”, na qual o paciente viciado não tem noção da doença que o acomete. 

“Eu deixei de pagar conta de luz para fazer aposta esportiva. Eu deixei de pagar colégio do meu filho para jogar roleta. O bolso do brasileiro é um só. O brasileiro não tem um bolso da aposta, da comida, o bolso do parque, não. O bolso é um só. Ele faz a conta e, se der, vai. Quando a gente está na ativa do vício, ele não faz conta. Eu só queria saber se eu tinha dinheiro para comprar a próxima ficha.” 

Fonte: Agência Senado

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